A arte de encantar
"36% dos alunos da 8a.série da rede municipal de SP possuem textos de nível insuficiente" @Cartacapital
Para evitar a brutal evasão escolar, a educação precisa ser mais atraente e inclusiva
Por Dagmar Garroux*
Para responder a questão de que o nosso país precisa, convido ao leitor a refletir primeiro sobre as informações abaixo:
No Brasil, quase 16% da população entre 15 e 17 anos, que deveria estar cursando o ensino médio, está fora da escola. Em outras palavras, 600 mil adolescentes não frequentam uma sala de aula. Perto de 5% dos alunos matriculados no ensino fundamental abandonaram a escola. Isso corresponde a quase 1 milhão e meio de alunos.
Pouco mais de 13% dos alunos que cursavam o ensino médio deixaram o colégio. Ou seja, cerca de 1 milhão de alunos.
Talvez alguns leitores já tenham esbarrado nesses números. São indicadores recentes sobre a educação brasileira produzidos por instituições sérias como o IBGE, o Inep e a Fundação Getulio Vargas.
Como na escala de um termômetro, esses dados indicam que o paciente está com febre. E, no nosso caso, um dos sintomas chama-se evasão escolar. Um problema dramático e que, mesmo com toda a ação dos governos federal, estadual e municipal, está bem longe de ser solucionado.
Mas por que diversas ações não conseguem reter o aluno na escola? A Fundação Getulio Vargas foi a campo para tentar descobrir o que acontece na vida desse jovem que deixa a escola. Muitos leitores podem pensar que o mercado de trabalho seja o grande responsável pela evasão. Ou mesmo a falta de escolas próximas à residência do estudante. São boas respostas e até aparecem no resultado da pesquisa, mas ficaram bem distantes do item que liderou a enquete. Pouco mais de 40% dos jovens entre 15 e 17 anos disseram que abandonaram a escola por falta de interesse.
Portanto, 600 mil jovens não encontram na escola um motivo forte para frequentá-la. Eles simplesmente recusam o oferecido. Como bem avaliou uma das pesquisadoras, estamos diante de uma bomba-relógio, pois alimentamos a exclusão desses jovens na entrada ao mercado de trabalho e impedimos o País de ter condições de competitividade no mercado internacional.
Outro aspecto relevante nessa discussão é a qualidade do ensino. Será que nossas crianças e jovens que passam pela escola conseguem ter um alto grau de aprendizagem? Pelos dados que temos, a situação também não é boa. Em São Paulo, uma das maiores e mais desenvolvidas cidades do mundo, 36,6% dos alunos da oitava série da rede municipal de ensino possuem textos de nível insuficiente. E este é só um dos dados da Pesquisa São Paulo 2009.
Um panorama que vai na contramão do desempenho econômico do País nos últimos anos. Como pode o Brasil chegar a estar entre as principais economias do mundo e apresentar um índice grotesco de evasão escolar e de falhas na aprendizagem? Vivemos uma contradição: temos um projeto de País, mas não um de Nação. Se continuarmos nesse caminho, dificilmente o povo brasileiro vai se beneficiar em sua plenitude desse crescimento econômico.
Podemos discutir durante horas sobre as razões que nos levaram a essa situação, mas gostaria de mencionar neste espaço um aspecto dessa questão e que pode nos ajudar a responder a pergunta “De que o Brasil precisa?” É um lado que me parece ser uma das poucas oportunidades que temos de reverter esse quadro melancólico em que se encontra a educação brasileira.
Quando iniciamos na década de 1980 nosso trabalho pedagógico no Capão Redondo – bairro na periferia de São Paulo –, na Favela do Fedô, no meio de uma área de baixa renda e com altos índices de criminalidade, acreditávamos que era possível fazer educação de outra maneira.
Não queríamos somente ensinar. Queríamos criar condições para o aprendizado. Não tínhamos compromisso com a educação formal. Sabíamos que só com um modelo revolucionário de educação é que poderíamos conquistar os corações e mentes das crianças e jovens daquele bairro.
Para isso fomos conhecer o dia a dia da comunidade, seus problemas, suas aflições e o que esse bairro tinha para contar. Aproximamo-nos daquele contexto de conflito para criar outro modelo de educação.
Iniciamos com 12 crianças em nossa residência e hoje, na ONG Casa do Zezinho, criada há 16 anos, atendemos 1,2 mil jovens, temos 50 educadores e ocupamos uma área de mais de 3 mil metros quadrados.
Desta maneira conseguimos encantar as crianças e jovens que nos procuram. Mas qual é o diferencial de nosso modelo pedagógico? Primeiro é o acolhimento. É muito importante saber receber o aluno. A afetividade neste contexto, ainda mais em um ambiente violento em que vive o Zezinho, como carinhosamente denominamos nossos educandos, é fundamental para que ele perceba que aquele lugar é atraente.
Criamos assim um ambiente propício para que o aluno possa aprender a se relacionar e descobrir que o ser humano é antes de qualquer coisa um ser social. Assim temos condições de tornar esse jovem um cidadão. Esse acolhimento da criança é o que denominamos Pedagogia do Cuidado.
Depois de ser recebido, ele vai para nossos espaços de aprendizagem, que não seguem o padrão das salas de aula formais. Na Casa do Zezinho a criança é constantemente estimulada a criar. A arte é fundamental. Por meio dela, o prazer e a alegria do fazer são exemplos de afetividade positiva. Ao mesmo tempo o Zezinho melhora seu nível de autoestima, pois percebe que tem todas as condições de produzir algo.
Essa é a base da Pedagogia do Arco-Íris. Procuramos adaptar essas premissas a cada faixa etária, relacionadas por nós com uma das cores do arco-íris. Tudo começa aos 6 anos de idade na sala das Violetas e percorre o caminho das cores até a sala Coração – que representa o vermelho –, com alunos de 16 a 21 anos.
Hoje trabalhamos em conjunto com os vários níveis de governo e é ótimo que seja assim. Além disso, cada Zezinho para participar de nossas atividades precisa estar matriculado em alguma instituição oficial de ensino. Ajudamos a suprir e a complementar aspectos educacionais que não são oferecidos pela escola. Mas essa integração precisa ser ampliada. Só assim poderemos juntos diminuir a evasão escolar, melhorar o nível de aprendizagem e tornar este País um lugar ainda melhor para se viver.
* A Tia Dag, presidente da ONG Casa do Zezinho.
Fonte: Carta Capital
Comentários