Teoria U - Otto Scharmer
Muitos líderes tem enfrentado dificuldades para conseguir as mudanças que desejam, seja devido à complexidade das situações, às diferentes pessoas envolvidas ou à falta de soluções passadas que possam ser reproduzidas. A teoria U é um conjunto de teorias, ferramentas e práticas que podem auxiliar os líderes a enfrentarem os problemas atuais, não apenas intelectualmente, mas através de ações que gerem inovação.
Como uma resposta à dificuldade vivida pelos líderes, a teoria U foi desenvolvida ao longo de quase 15 anos por Otto Scharmer, Adam Kahane, Peter Senge e Joseph Jaworski. Ela vem sendo utilizada em projetos de diferentes proporções: alguns envolvem apenas uma organização, outros envolvem toda a cadeia produtiva, enquanto outros envolvem todo um país. As mudanças nestes projetos foram obtidas através de processos da teoria U que possibilitam um grupo de pessoas a reconhecer as causas dos problemas atuais e como gerar inovações para resolvê-los.
A teoria U é uma “maneira de desenhar e conduzir profundos processos de aprendizado coletivo”. O processo em U é dividido em três fases, as duas primeiras são sentir e presenciar, e a última engloba a criação de protótipos e atuação em uma única etapa chamada de realizar. Estas etapas tem as seguintes características:
- “sentir: questionar profundamente seus modelos mentais, vendo a realidade que está além do próprio filtro;”
- “presenciar: mover-se dali para um processo profundo de se conectar com uma visão e um propósito, individual e coletivamente;”
- “realizar: e então elaborar rapidamente um protótipo para traduzir essas visões em modelos de trabalho concretos, dos quais se possa receber feedback e fazer novos ajustes”.
O significado do U (ver figura 1) está relacionado ao processo de mudança e seu formato devesse ao fato de que ao descer o lado direito o indivíduo percorre um caminho para compreender seus modelos mentais e como eles estão relacionados à realidade na qual está inserido. O fundo do U é um espaço para reflexão, o indivíduo já tem um maior conhecimento sobre si e do ambiente, e agora tem a possibilidade de compreender a realidade atual e iniciar um processo de inovação, que é a subida do U. Nesta parte, todas as novas ideias são colocadas em práticas o que não significa o fim, já que o processo pode iniciar novamente ou etapas serem revistas se necessário.
A teoria U pode auxiliar líderes a melhorarem sua capacidade de compreender e ajudar além de gerar habilidades para lidar com diferentes desafios. Para isso o líder deve ser capaz de suspender suas formas habituais de ver, ou seja, ele não pode buscar apenas em sua experiência ou conhecimento informações para auxiliar os outros ele precisa ir além do que já sabe e começar a buscar informações que ainda não detém (veja abaixo o exemplo dos gerentes das montadoras americanas visitando o Japão). Além disso, ele deve ser capaz de criar espaços de aprendizagem e inovação, nos quais ele e um subordinado, ou um grupo, possam co-criar novas soluções1.
Portanto, para o líder auxiliar seus liderados, ele deve ser capaz de perceber que não tem toda a informação necessária e, portanto, deve dar ênfase no ouvir. Mas não basta apenas deixar os subordinados falarem, ele deve ser capaz de escutar sem criar julgamentos ou sem filtrar as informações através do seu próprio conhecimento. Caso ele não seja capaz de fazer isso ele irá apenas ouvir o que já sabe ou acredita, desperdiçando oportunidades para mudar ou inovar. Quanto maior for a capacidade de o líder ouvir sem focar em si e procurar estar atento ao outro, maior será sua capacidade de ajuda. O ouvir pode ser dividido em quatro partes: download2, debate, diálogo e ouvir generativo.
O primeiro tipo de escuta, download, acontece toda vez que a pessoa recebe um estímulo e reage a ele. Ou seja, ela tende a reproduzir hábitos e acaba por reproduzir padrões passados continuamente. Tal atitude faz com que o indivíduo se torne muito centrado em si; ele está sempre julgando e analisando o que ouve, prestando pouca atenção no que está realmente sendo dito. Nesse nível, há pouco espaço para a criatividade e novas ideias. Um exemplo é o líder que tende a sempre interromper seus liderados enquanto eles estão explicando algo ou dizer “isso eu já sabia”.
O segundo tipo é o ouvir focado no objeto, ou seja, o indivíduo centra sua atenção no que está vendo ou ouvindo, deixando de utilizar a análise imediata do fato, ou a voz do julgamento. A ideia central do debate é conhecer o outro e verificar se as ideias dele são diferentes das próprias ideias. Apesar de já se focar o outro, ainda existe a tendência de se comparar ideias. Nesse momento, surgem perguntas e mais interesse no que está acontecendo, possibilitando maior conhecimento dos fatos. Como exemplo, tem-se um líder que, ao escutar a ideia do liderado, a contrapõe com a sua e ambos começam a debater sobre quem está certo ou qual ideia seria a melhor.
O terceiro tipo é o ouvir empático o qual surge quando se pensa: “Ah, sim, eu sei o que você está sentindo”. Quando o indivíduo muda o foco de atenção do centro (download) para o exterior (focado no objeto), ele tem a possibilidade de se engajar em um diálogo, participando ativamente dos fatos que ouve. É preciso abertura para a empatia, ou seja, o líder passa a ver através dos olhos do liderado. Este ouvir já proporciona mais criatividade e novas informações. Porém, ele está voltado apenas para o ato de ouvir, diferentemente do próximo nível que já é uma tentativa de ouvir e criar ao mesmo tempo.
O quarto tipo é a escuta generativa, que está mais relacionada a um ouvir interno, ou seja, ao mesmo tempo em que conversa, o indivíduo busca elaborar o que escutou permitindo que novas ideias surjam. Nesse nível não há barreiras entre os participantes da conversa, todos escutam e procuram em si motivação para criar novas idéias.
A partir da compreensão das diferentes formas de ouvir, o líder deve ser capaz de passar pelas quatro etapas da teoria U, a saber:
Sentir
Essa etapa está ligada às quatro formas de ouvir; nessa primeira etapa, não se deve observar o mundo através de pré-julgamentos. A tendência é procurar padrões que já são conhecidos e analisar eventos a partir disso. Assim, nessa etapa, é preciso que o líder seja capaz de suspender seus julgamentos e valores que só pode ser explicado por meio da cadeia de inferência.
Observamos dados, selecionamos quais levar em consideração, acrescentamos significados a eles, construímos premissas e interpretações, chegamos a conclusões e generalizações, adotamos crenças e iniciamos ações baseadas nelas. Então voltamos para observar os resultados de nossas ações e entramos novamente na cadeia de inferência.
Um exemplo de como esses padrões impedem que novas ideias surjam é a história de uma visita de gerentes da Ford ao Japão:
Em 1981, um grupo de engenheiros da Ford Motor Company visitou as instalações da Toyota operando na “curva” do sistema Toyota de produção. Apesar de os engenheiros da Ford terem acesso de primeira mão ao revolucionário novo sistema de produção, eles foram incapazes de ver ou reconhecer o que estava na frente deles; eles alegaram que visitaram apenas uma encenação; por não terem visto nenhum estoque, eles concluíram que não viram a verdadeira fábrica.
Se os gerentes tivessem sido capazes de suspender o julgamento procurando ver através dos outros, eles teriam percebido todo o processo de logística japonês. Ou seja, os gerentes deveriam redirecionar sua atenção para o outro, ato que pode ser descrito como empatia. Porém, o autor diz que devem ir além e procurar também observar o sistema no qual está inserido, e não apenas na situação atual.
Presença
Presença pode ser compreendida como a capacidade de desaprender para aprender. Nessa etapa, o líder deve deixar para trás tudo que não é essencial: necessidades do ego e reputação, apegos a resultados específicos, expectativas e permitir que novas ideias e situações surjam.
Presença significa se conectar com a mais profunda fonte do eu e da vontade. Essa fonte pode ser compreendida como a base da qual surge a intenção e motivação do indivíduo para executar qualquer ação. Enquanto um coração aberto permite ver o todo, a boa vontade permite agir de acordo com o espaço que surge. Para descrever esse processo, Lemcke, que é um escultor e consultor gerencial diz:
Depois de ter trabalhado com uma determinada escultura por um tempo, surge um certo momento no qual as coisas estão mudando. Quando esse momento de mudança surge, não há mais um eu, sozinho, que está criando. E me sinto conectado a algo muito mais profundo e minhas mãos estão co-criando com esse poder. Ao mesmo tempo, eu sinto que estou sendo preenchido com amor e cuidado enquanto minha percepção está se abrindo. Eu sinto coisas de uma outra maneira. É um amor pelo mundo e pelo o que está por vir. Eu, então, intuitivamente, sei o que eu devo fazer. Minhas mãos sabem se eu preciso adicionar ou remover algumas coisas. Minhas mãos sabem como a forma deve se manifestar. De certa forma, é fácil criar com essa guia. Nesses momentos eu tenho uma forte sensação de gratitude e humildade.
Criação por meio de protótipos
Quando se lida com sistemas sociais complexos, torna-se difícil prever com exatidão como será a resposta desses sistemas às inovações. Sendo assim, a fim de implementar novas soluções sem perda de tempo, é necessário que haja conectividade entre as fases de planejamento e implantação.
Desse modo, o processo de co-criação é uma abordagem interativa e emergente de desenvolvimento de novas iniciativas, inspirada na observação do processo criativo de empreendedores sociais chamado de “criação de protótipos”.
Criar protótipos é um processo interativo do desenho de uma iniciativa que consiste em desenvolver uma primeira versão da iniciativa, testá-la envolvendo os interessados, receber feedback, refletir sobre o que foi aprendido, reconstruir e assim por diante. A cada ciclo, a iniciativa se fortalece e fica mais clara na forma de interação.
Para que haja iniciativa é necessário:
- desenvolver a ideia em conjunto e torná-la visível,
- experimentá-la o quanto antes, mesmo sem ter a certeza de que ela seja a certa;
- começar com uma versão mais simples da ideia, testando-a e coletando feedbacks;
- ser estratégico na seleção das pessoas a serem envolvidas nos testes.
No processo de co-criação, é necessário estar aberto para trabalhar com o emergente e, para que se consiga, é preciso aprender as seguintes capacidades pessoais:
- superar o medo do fracasso ou de errar da primeira vez
- confiar o suficiente para agir mesmo que a iniciativa não tenha sido planejada em todos os seus detalhes,
- improvisar, não ficando paralisado na primeira versão;
- ousar para propor novas soluções e ter disposição para responder a mensagens inesperadas e tomar novas direções,
- ter senso de alerta de presença, pois às vezes as chaves para ir adiante provêm de lugares inesperados;
- integrar cabeça, coração e mãos, tentando criar e receber feedback usando múltiplos sensos.
Vale ressaltar que a inovação não é simplesmente uma ideia ou sonhos criativos, tem-se que dar vida à ideia, porque é o que faz a diferença. A inovação deve ser coletiva, pois é sempre necessário um maior número de pessoas para fazer a ideia funcionar na vida real.
Criar através de protótipos significa colocar em prática as ideias o mais rápido possível, para que possam ser testadas, avaliadas e corrigidas. Assim os erros serão mais constantes, mas serão apenas no início. Criar através de protótipos é explorar o futuro através da ação e dos protótipos.
Atuar
Atuar significa sair do processo em U voltado para a criação do novo e continuamente agir de acordo com o que foi aprendido. A pessoa muda totalmente sua forma de ver e perceber o mundo e mantém essa compreensão enquanto realiza suas atividades.
A teoria U tem sido utilizada em situações complexas, nas quais há uma necessidade de mudanças profundas e sistêmicas, que vão além de mudar o que é feito ou o como é feito, mas a forma de pensar ou os modelos mentais. A seguir será descrito quais são essas complexidades.
1 Co-criar é uma capacidade de um grupo se desfazer de identidades individuais e desenvolver uma identidade coletiva, que é capaz de ir além da soma dos seus membros sozinhos.
2 A tradução literal da palavra é baixar. Porém, aqui ela significa reagir através de informações passadas
Fonte: http://dialogosconsultoria.com/organizacoes/teoria-u-um-caminho-para-inovacao-e-lideranca/.
Comentários