A indústria do Coaching - Cuidado!
Primeiro foram os consultores. Depois, as empresas de recolocação de profissionais. Daí, vieram os MBAs. E, hoje, a solução corporativa que mais cerca os executivos de recursos humanos se chama Coaching. Matéria com Flora Victoria.
Fonte: Revista VOCÊ RH
Junho/2009
Fonte: Revista VOCÊ RH
A indústria do coaching
Uma das técnicas mais requeridas pelo profissional de RH atualmente virou commodity. Saiba o que fazer para não se deixar guiar pelo modismo nem por pseudocoaches de plantão
Primeiro foram os consultores. Depois, as empresas de recolocação de profi ssionais. Daí, vieram os MBAs. E, hoje, a solução corporativa que mais cerca os executivos de recursos humanos se chama coaching. Essa técnica, popularizada nas empresas entre os anos 1990 e 2000, ganhou adeptos no mundo todo por dois motivos. Pela necessidade de os profissionais conversarem sobre desempenho e receber feedback sobre seus resultados na organização e porque as empresas constataram que investir seu dinheiro no desenvolvimento de seus melhores funcionários é muito mais vantajoso do que aplicar cursos de massa para todos.
O resultado foi a explosão do coaching executivo — do lado de quem investe e, especialmente, do lado de quem vende o serviço. No ano passado, essa atividade movimentou nos Estados Unidos 2,4 bilhões de dólares. Mais de 40% dos CEOs e 90% dos altos executivos americanos já utilizaram a técnica. Na Inglaterra, segundo a Bristol University, 88% das organizações também são adeptas da prática atualmente. No Brasil não há dados consolidados. De acordo com a recém criada Sociedade Brasileira de Coaching, entre 2007 e 2008 houve um crescimento na busca por certificação de coaching na ordem de 300%. E a tendência, segundo eles, é continuar nesse ritmo.
Em meio a esse turbilhão de oferta e demanda, o profissional de RH fica perdido. Perdido com a quantidade de pessoas que se dizem coaches e lotam suas caixas de e-mails com argumentos para vender o serviço. Perdido também com o número de funcionários que chegam a pedir um coach para melhorar seu desempenho — quase como quem pede um analgésico para dor de cabeça. “Muitas vezes, o profissional de recursos humanos chega aqui sem a menor idéia do que é coaching”, diz Vicky Bloch, da Vicky Bloch Associados, de São Paulo, uma das pioneiras a trazer o conceito para o Brasil em 1992. “Virou quase uma marca, algo como: ‘Vai lá e chama um coach porque estou com problema’.” Há 25 anos trabalhando com coaching, Vicky, que foi presidente da consultoria de recursos humanos DBM no Brasil até 2006, ao criar sua empresa, há quase dois anos, chegou a questionar até se deveria ou não usar a palavra coaching no seu negócio, dada à confusão gerada em cima do conceito. “As pessoas precisam entender que coaching não é um teste e dois feedback”, diz. “Assim como devem aprender que não há nada que transforme um profissional em outro. Pessoas não mudam, apenas aprendem a entender o impacto d e suas ações e como administrá-las. E é nisso que um bom coach ajuda.”
VOCÊ SABE (MESMO) O QUE É COACHING?
Como descreve Vicky, o primeiro grande problema — que é um prato cheio para os pseudocoaches — é a real ignorância sobre a técnica. Para começar, coaching está longe de ser terapia. “Nem é panacéia para todos os males”, diz o consultor de carreira José Augusto Minarelli, sócio da Lens & Minarelli, empresa de recolocação de executivos, em São Paulo. Outra forma comumente errada de tratar o coaching é compará-lo a mais um treinamento da área de recursos humanos. Ele não está na prateleira — ou não deveria estar, pelo menos. “Muitos executivos delegam para o RH a contratação de um coach quando deveriam atuar junto nesse processo”, diz Cristina Nogueira, da Axialent, consultoria de São Paulo, cujo foco é a melhoria do desempenho organizacional por meio do desenvolvimento de lideranças. “Afinal, quem vai usar o serviço não é o RH, mas o próprio executivo.”
O conceito de coaching está ligado à refl exão. É uma forma de aprendizado que deve integrar desenvolvimento pessoal e necessidade da organização. E nesse ponto há uma terceira confusão. Embora a conversa seja entre o profissional (o chamado coachee) e o coach, o objetivo é ajudar o indivíduo, sim, mas para trazer resultados para a organização.
“O contrato deve ser com a empresa”, diz Luiz Fernando Giorgi, ex-presidente do Hay Group e atual presidente da LFG Gestão Empresarial, focada em coaching executivo. “Não se pode entrar numa discussão sobre aconselhamento de carreira, por exemplo”, diz Giorgi. “É preciso haver uma clareza desde o princípio entre coach, coachee e, especialmente, o superior dele, ou seja, o cliente.” Esse tripé é reconhecido como relação triangular (empresa, profissional e coach) e faz da técnica uma ferramenta de negócio. O objetivo é gerar o desenvolvimento do executivo para atingir resultados na empresa. Esse desenvolvimento pode estar ligado a questões de performance ou de comportamento. Por esse motivo, é fundamental mensurar o quanto de retorno o processo está trazendo para a companhia. A Korn/Ferry International, por exemplo, utiliza três formas de medir esse resultado. A primeira é uma espécie de pesquisa qualitativa — o coach faz entrevistas com todos os interessados no desenvolvimento do profissional submetido ao coaching e mapeia todos os pontos que necessitam de atenção. Ao final do processo, o coach volta com essas mesmas pessoas e faz outra entrevista para pontuar as possíveis evoluções. A segunda forma é usar a já conhecida ferramenta 360 graus da própria empresa. Por fim, a Korn/Ferry ainda usa uma ferramenta online e exclusiva de assessment — parte obrigatória no processo, por meio da qual também faz o “antes” e “depois” do candidato.
UM COACH EM CADA ESQUINA Medir os resultados é fundamental para saber se o RH e o executivo não estão comprando gato por lebre. No mercado aquecido e ansioso por coaching, o que não faltam são profissionais — de tudo quanto é espécie — que se intitulam coaches. Segundo a Sociedade Brasileira de Coaching, há mais de 16 000 coaches no mundo. José Renato Domingues, diretor de recursos humanos da International Paper, produtora de papel da marca Chamex, de São Paulo, diz receber ao menos uma proposta de coaching toda semana.
“No passado, um executivo perdia o emprego e virava consultor. Hoje, ele vira coach”, diz Minarelli, da Lens & Minarelli. Muitos profi ssionais que se dizem coaches muitas vezes não entendem nada de negócios. Outros não entendem nada de pessoas. E há aqueles ainda que não entendem nada da técnica em si. Nesse território caótico, vai caber à empresa — e na maioria das vezes aos profissionais de RH — a responsabilidade de contratar o trigo — e livrar-se do joio. E isso não é uma tarefa tão simples. Afinal, não existe uma cartilha separando o bom do mau coach e ninguém ainda provou, racionalmente, o que faz um treinador corporativo mais brilhante ou eficiente que outro.
Foi justamente para tentar pôr ordem na casa que começaram a surgir as certificações. Trata-se de alguém ou alguma entidade provando que tal profissional participou de um treinamento, com pelo menos 40 horas, sobre como dar coaching. A Sociedade Brasileira de Coaching faz isso. Oferece um treinamento mínimo de 60 horas para o profissional que quer se tornar coach. “Qualquer pessoa pode desenvolver essa técnica”, diz Flora Victoria,
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Coaching, que por 18 anos atuou como diretora executiva em empresas como Volkswagen, Ford e Claro. “Para praticar executive coaching é importante ter conhecimento em negócio, mas não é um fator excludente.” Segundo Flora, a Sociedade Brasileira de Coaching já “formou” cerca de 1 000 coaches de 2006 para cá. O perfil desse pessoal varia muito. Vai desde estudantes a jornalistas, passando por muitos ex-executivos e psicólogos, chegando a fisgar até a um procurador da fazenda Nacional.
Infelizmente, ter ou não certificação não faz ainda do coach um eleito no meio da picaretagem. Até quem exibe certificação diz que isso não pode separar o bom do mau profissional. Cristina Nogueira, da Axialent, também pensa assim. Certificada pela própria Axialent e há três anos como coach, Cristina já trabalhou com 35 executivos, principalmente do setor bancário e industrial. Por 25 anos foi executiva na área de tecnologia em empresas como Itautec, Microsoft e SAP. “A certificação traz um nível básico de garantia. O que é bom, dada a bagunça que estamos vivendo”, diz. “Mas isso não é suficiente. Tem muitos coaches que não têm certificações e são ótimos e, além disso, essas certificações não são credenciadas. Eu as vejo como atestados de que a pessoa passou por um treinamento de horas.”
Segundo ela (e 90% dos entrevistados nesta reportagem), há outros indícios para avaliar um bom coach, além da certificação. O primeiro deles é pesquisar quantas horas de vôo ele tem na carreira. Isso significa o quanto ele entende de negócios, se já viveu em ambiente corporativo e sabe falar a linguagem do mercado. “O entendimento de negócios do coach deve aumentar à medida que sobe o nível hierárquico da organização”, afirma Vicky Bloch. “Se sou coach de um presidente tenho de entender de comportamento, sim, mas muito mais de negócios.” Para os mais jovens, diz Vicky, a curva é inversa — é preciso entender de negócios também, porém mais de comportamento.
Independentemente do cargo com o qual o coach se relaciona, entender o contexto corporativo é fundamental. “É preciso falar a língua do negócio ou então corre-se o risco de entrar na esfera da terapia”, diz Marisa Godoi, gerente de desenvolvimento de carreira da Nestlé. “Eu busco avaliar muito o coach antes de encaminhar o processo. É preciso saber como ele trabalha e entender como pretende conduzir a dinâmica.” Há mais de cinco anos Marisa utiliza o serviço de coaching para profissionais de nível gerencial para cima. Hoje, dos 600 gestores de primeira linha, seis estão num processo desse. Participar da atividade antes de ela começar é a grande chance que você, RH, tem de eliminar possíveis charlatões. Converse, converse e converse. Com o coach, com o profissional e com o gestor do seu profissional também. É bom que o processo seja transparente e tudo fique muito bem alinhado. É importante também que haja uma sintonia entre o coach e o coachee. Se não houver empatia entre eles, a história nem começa. Domingues, da International Paper, já foi coach na DBM. Hoje, está do outro lado da mesa, é o cliente. No momento, dois dos nove diretores da empresa e o próprio presidente estão passando por coaching. Para ele é fundamental que o coach apresente a metodologia que vai usar, faça assessments e diga a freqüência do programa para identificar o comprometimento. Embora também não haja uma regra definida, boa parte dos especialistas considera o período de três a seis meses uma boa média de duração dos processos (veja quadro Meio Ano de Conversa).
Em toda essa história, o RH precisa identificar principalmente uma característica: qual o caminho que o coach vai traçar para atingir o objetivo pretendido pela empresa. “O mau coaching é aquele no qual o executivo transfere para o coach todas as decisões”, diz Domingues. “Se isso acontece, gera uma r elação péssima de dependência e um relacionamento destrutivo.” O RH deve, portanto, ter claro que o coach não está lá para fazer o trabalho ou tomar as decisões pelo executivo. Ele trabalha para fazer o outro enxergar o que deve mudar para melhorar seu papel como profissional. Repetindo: fazer o outro enxergar — e não dizer explicitamente o que ele deve mudar. “Não faz sentido o coach assumir o papel do gestor”, afirma André Camargo, superintendente de recursos humanos da Brasilprev, que tem 650 colaboradores e 22 em processo de coaching. “Isso não é um processo de substituição e nem um processo mágico.”
A CULPA TAMBÉM É DO RH A magia a que Camargo se refere muitas vezes contamina o p rofissional de RH. Sem identificar a necessidade da organização, o RH simplesmente segue a moda corporativa e acha que também precisa levar o coaching para sua empresa. Não é bem assim. Coaching não é para todo mundo. O processo demanda tempo, energia e, principalmente, dinheiro. “Parte da responsabilidade dessa onda de coaching é do próprio RH”, diz André Camargo. “Se, por um lado, há uma febre de quem vende o serviço, por outro há a febre de quem compra sem saber por quê.” Camargo propõe ao RH uma reflexão sobre o assunto no estilo “Eu realmente preciso disso para minha organização?” E, se o seu superior insistir no assunto, c abe a você, RH, devolver para ele, com bons argumentos, se é o caso (ou não) de comprar o serviço. Os momentos mais emblemáticos para aplicação do coaching são a inclusão de novos desafios na rotina de um profissional, como uma promoção ou mudança de área, a superação de barreiras que estejam atrapalhando o indivíduo na própria função, problemas de comportamento ou com a entrega de resultados. Todas essas questões, porém, devem ser avaliadas com cuidado antes de o RH sair à caça de especialistas. “É preciso fazer diagnósticos precisos e não sair oferecendo o serviço para todo mundo”, diz Marisa, da Nestlé. “Coaching não é benefício.”
Não adianta também impor a técnica goela abaixo. “O profissional deve querer e concordar com o processo”, reforça Vicky Bloch. “Deve estar coerente com o momento e com sua necessidade, não só com a empresa.” Cristina, da Axialent, confessa que é muito comum receber em sua sala executivos que não têm idéia do motivo que os levou a parar lá. Quando questionados sobre o porquê da “visita” respondem: “O RH mandou”. Nesses casos, é preciso chamar o executivo de recursos humanos e explicar para ele como a coisa funciona. Ou seja, praticamente fazer um coaching para o próprio RH.
Primeiro foram os consultores. Depois, as empresas de recolocação de profi ssionais. Daí, vieram os MBAs. E, hoje, a solução corporativa que mais cerca os executivos de recursos humanos se chama coaching. Essa técnica, popularizada nas empresas entre os anos 1990 e 2000, ganhou adeptos no mundo todo por dois motivos. Pela necessidade de os profissionais conversarem sobre desempenho e receber feedback sobre seus resultados na organização e porque as empresas constataram que investir seu dinheiro no desenvolvimento de seus melhores funcionários é muito mais vantajoso do que aplicar cursos de massa para todos.
O resultado foi a explosão do coaching executivo — do lado de quem investe e, especialmente, do lado de quem vende o serviço. No ano passado, essa atividade movimentou nos Estados Unidos 2,4 bilhões de dólares. Mais de 40% dos CEOs e 90% dos altos executivos americanos já utilizaram a técnica. Na Inglaterra, segundo a Bristol University, 88% das organizações também são adeptas da prática atualmente. No Brasil não há dados consolidados. De acordo com a recém criada Sociedade Brasileira de Coaching, entre 2007 e 2008 houve um crescimento na busca por certificação de coaching na ordem de 300%. E a tendência, segundo eles, é continuar nesse ritmo.
Em meio a esse turbilhão de oferta e demanda, o profissional de RH fica perdido. Perdido com a quantidade de pessoas que se dizem coaches e lotam suas caixas de e-mails com argumentos para vender o serviço. Perdido também com o número de funcionários que chegam a pedir um coach para melhorar seu desempenho — quase como quem pede um analgésico para dor de cabeça. “Muitas vezes, o profissional de recursos humanos chega aqui sem a menor idéia do que é coaching”, diz Vicky Bloch, da Vicky Bloch Associados, de São Paulo, uma das pioneiras a trazer o conceito para o Brasil em 1992. “Virou quase uma marca, algo como: ‘Vai lá e chama um coach porque estou com problema’.” Há 25 anos trabalhando com coaching, Vicky, que foi presidente da consultoria de recursos humanos DBM no Brasil até 2006, ao criar sua empresa, há quase dois anos, chegou a questionar até se deveria ou não usar a palavra coaching no seu negócio, dada à confusão gerada em cima do conceito. “As pessoas precisam entender que coaching não é um teste e dois feedback”, diz. “Assim como devem aprender que não há nada que transforme um profissional em outro. Pessoas não mudam, apenas aprendem a entender o impacto d e suas ações e como administrá-las. E é nisso que um bom coach ajuda.”
VOCÊ SABE (MESMO) O QUE É COACHING?
Como descreve Vicky, o primeiro grande problema — que é um prato cheio para os pseudocoaches — é a real ignorância sobre a técnica. Para começar, coaching está longe de ser terapia. “Nem é panacéia para todos os males”, diz o consultor de carreira José Augusto Minarelli, sócio da Lens & Minarelli, empresa de recolocação de executivos, em São Paulo. Outra forma comumente errada de tratar o coaching é compará-lo a mais um treinamento da área de recursos humanos. Ele não está na prateleira — ou não deveria estar, pelo menos. “Muitos executivos delegam para o RH a contratação de um coach quando deveriam atuar junto nesse processo”, diz Cristina Nogueira, da Axialent, consultoria de São Paulo, cujo foco é a melhoria do desempenho organizacional por meio do desenvolvimento de lideranças. “Afinal, quem vai usar o serviço não é o RH, mas o próprio executivo.”
O conceito de coaching está ligado à refl exão. É uma forma de aprendizado que deve integrar desenvolvimento pessoal e necessidade da organização. E nesse ponto há uma terceira confusão. Embora a conversa seja entre o profissional (o chamado coachee) e o coach, o objetivo é ajudar o indivíduo, sim, mas para trazer resultados para a organização.
“O contrato deve ser com a empresa”, diz Luiz Fernando Giorgi, ex-presidente do Hay Group e atual presidente da LFG Gestão Empresarial, focada em coaching executivo. “Não se pode entrar numa discussão sobre aconselhamento de carreira, por exemplo”, diz Giorgi. “É preciso haver uma clareza desde o princípio entre coach, coachee e, especialmente, o superior dele, ou seja, o cliente.” Esse tripé é reconhecido como relação triangular (empresa, profissional e coach) e faz da técnica uma ferramenta de negócio. O objetivo é gerar o desenvolvimento do executivo para atingir resultados na empresa. Esse desenvolvimento pode estar ligado a questões de performance ou de comportamento. Por esse motivo, é fundamental mensurar o quanto de retorno o processo está trazendo para a companhia. A Korn/Ferry International, por exemplo, utiliza três formas de medir esse resultado. A primeira é uma espécie de pesquisa qualitativa — o coach faz entrevistas com todos os interessados no desenvolvimento do profissional submetido ao coaching e mapeia todos os pontos que necessitam de atenção. Ao final do processo, o coach volta com essas mesmas pessoas e faz outra entrevista para pontuar as possíveis evoluções. A segunda forma é usar a já conhecida ferramenta 360 graus da própria empresa. Por fim, a Korn/Ferry ainda usa uma ferramenta online e exclusiva de assessment — parte obrigatória no processo, por meio da qual também faz o “antes” e “depois” do candidato.
UM COACH EM CADA ESQUINA Medir os resultados é fundamental para saber se o RH e o executivo não estão comprando gato por lebre. No mercado aquecido e ansioso por coaching, o que não faltam são profissionais — de tudo quanto é espécie — que se intitulam coaches. Segundo a Sociedade Brasileira de Coaching, há mais de 16 000 coaches no mundo. José Renato Domingues, diretor de recursos humanos da International Paper, produtora de papel da marca Chamex, de São Paulo, diz receber ao menos uma proposta de coaching toda semana.
“No passado, um executivo perdia o emprego e virava consultor. Hoje, ele vira coach”, diz Minarelli, da Lens & Minarelli. Muitos profi ssionais que se dizem coaches muitas vezes não entendem nada de negócios. Outros não entendem nada de pessoas. E há aqueles ainda que não entendem nada da técnica em si. Nesse território caótico, vai caber à empresa — e na maioria das vezes aos profissionais de RH — a responsabilidade de contratar o trigo — e livrar-se do joio. E isso não é uma tarefa tão simples. Afinal, não existe uma cartilha separando o bom do mau coach e ninguém ainda provou, racionalmente, o que faz um treinador corporativo mais brilhante ou eficiente que outro.
Foi justamente para tentar pôr ordem na casa que começaram a surgir as certificações. Trata-se de alguém ou alguma entidade provando que tal profissional participou de um treinamento, com pelo menos 40 horas, sobre como dar coaching. A Sociedade Brasileira de Coaching faz isso. Oferece um treinamento mínimo de 60 horas para o profissional que quer se tornar coach. “Qualquer pessoa pode desenvolver essa técnica”, diz Flora Victoria,
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Coaching, que por 18 anos atuou como diretora executiva em empresas como Volkswagen, Ford e Claro. “Para praticar executive coaching é importante ter conhecimento em negócio, mas não é um fator excludente.” Segundo Flora, a Sociedade Brasileira de Coaching já “formou” cerca de 1 000 coaches de 2006 para cá. O perfil desse pessoal varia muito. Vai desde estudantes a jornalistas, passando por muitos ex-executivos e psicólogos, chegando a fisgar até a um procurador da fazenda Nacional.
Infelizmente, ter ou não certificação não faz ainda do coach um eleito no meio da picaretagem. Até quem exibe certificação diz que isso não pode separar o bom do mau profissional. Cristina Nogueira, da Axialent, também pensa assim. Certificada pela própria Axialent e há três anos como coach, Cristina já trabalhou com 35 executivos, principalmente do setor bancário e industrial. Por 25 anos foi executiva na área de tecnologia em empresas como Itautec, Microsoft e SAP. “A certificação traz um nível básico de garantia. O que é bom, dada a bagunça que estamos vivendo”, diz. “Mas isso não é suficiente. Tem muitos coaches que não têm certificações e são ótimos e, além disso, essas certificações não são credenciadas. Eu as vejo como atestados de que a pessoa passou por um treinamento de horas.”
Segundo ela (e 90% dos entrevistados nesta reportagem), há outros indícios para avaliar um bom coach, além da certificação. O primeiro deles é pesquisar quantas horas de vôo ele tem na carreira. Isso significa o quanto ele entende de negócios, se já viveu em ambiente corporativo e sabe falar a linguagem do mercado. “O entendimento de negócios do coach deve aumentar à medida que sobe o nível hierárquico da organização”, afirma Vicky Bloch. “Se sou coach de um presidente tenho de entender de comportamento, sim, mas muito mais de negócios.” Para os mais jovens, diz Vicky, a curva é inversa — é preciso entender de negócios também, porém mais de comportamento.
Independentemente do cargo com o qual o coach se relaciona, entender o contexto corporativo é fundamental. “É preciso falar a língua do negócio ou então corre-se o risco de entrar na esfera da terapia”, diz Marisa Godoi, gerente de desenvolvimento de carreira da Nestlé. “Eu busco avaliar muito o coach antes de encaminhar o processo. É preciso saber como ele trabalha e entender como pretende conduzir a dinâmica.” Há mais de cinco anos Marisa utiliza o serviço de coaching para profissionais de nível gerencial para cima. Hoje, dos 600 gestores de primeira linha, seis estão num processo desse. Participar da atividade antes de ela começar é a grande chance que você, RH, tem de eliminar possíveis charlatões. Converse, converse e converse. Com o coach, com o profissional e com o gestor do seu profissional também. É bom que o processo seja transparente e tudo fique muito bem alinhado. É importante também que haja uma sintonia entre o coach e o coachee. Se não houver empatia entre eles, a história nem começa. Domingues, da International Paper, já foi coach na DBM. Hoje, está do outro lado da mesa, é o cliente. No momento, dois dos nove diretores da empresa e o próprio presidente estão passando por coaching. Para ele é fundamental que o coach apresente a metodologia que vai usar, faça assessments e diga a freqüência do programa para identificar o comprometimento. Embora também não haja uma regra definida, boa parte dos especialistas considera o período de três a seis meses uma boa média de duração dos processos (veja quadro Meio Ano de Conversa).
Em toda essa história, o RH precisa identificar principalmente uma característica: qual o caminho que o coach vai traçar para atingir o objetivo pretendido pela empresa. “O mau coaching é aquele no qual o executivo transfere para o coach todas as decisões”, diz Domingues. “Se isso acontece, gera uma r elação péssima de dependência e um relacionamento destrutivo.” O RH deve, portanto, ter claro que o coach não está lá para fazer o trabalho ou tomar as decisões pelo executivo. Ele trabalha para fazer o outro enxergar o que deve mudar para melhorar seu papel como profissional. Repetindo: fazer o outro enxergar — e não dizer explicitamente o que ele deve mudar. “Não faz sentido o coach assumir o papel do gestor”, afirma André Camargo, superintendente de recursos humanos da Brasilprev, que tem 650 colaboradores e 22 em processo de coaching. “Isso não é um processo de substituição e nem um processo mágico.”
A CULPA TAMBÉM É DO RH A magia a que Camargo se refere muitas vezes contamina o p rofissional de RH. Sem identificar a necessidade da organização, o RH simplesmente segue a moda corporativa e acha que também precisa levar o coaching para sua empresa. Não é bem assim. Coaching não é para todo mundo. O processo demanda tempo, energia e, principalmente, dinheiro. “Parte da responsabilidade dessa onda de coaching é do próprio RH”, diz André Camargo. “Se, por um lado, há uma febre de quem vende o serviço, por outro há a febre de quem compra sem saber por quê.” Camargo propõe ao RH uma reflexão sobre o assunto no estilo “Eu realmente preciso disso para minha organização?” E, se o seu superior insistir no assunto, c abe a você, RH, devolver para ele, com bons argumentos, se é o caso (ou não) de comprar o serviço. Os momentos mais emblemáticos para aplicação do coaching são a inclusão de novos desafios na rotina de um profissional, como uma promoção ou mudança de área, a superação de barreiras que estejam atrapalhando o indivíduo na própria função, problemas de comportamento ou com a entrega de resultados. Todas essas questões, porém, devem ser avaliadas com cuidado antes de o RH sair à caça de especialistas. “É preciso fazer diagnósticos precisos e não sair oferecendo o serviço para todo mundo”, diz Marisa, da Nestlé. “Coaching não é benefício.”
Não adianta também impor a técnica goela abaixo. “O profissional deve querer e concordar com o processo”, reforça Vicky Bloch. “Deve estar coerente com o momento e com sua necessidade, não só com a empresa.” Cristina, da Axialent, confessa que é muito comum receber em sua sala executivos que não têm idéia do motivo que os levou a parar lá. Quando questionados sobre o porquê da “visita” respondem: “O RH mandou”. Nesses casos, é preciso chamar o executivo de recursos humanos e explicar para ele como a coisa funciona. Ou seja, praticamente fazer um coaching para o próprio RH.
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